Tudo isto é fado

"O futebol português está a ferro e fogo e alguém tem de pôr mão nisto" é o que mais se tem ouvido nos últimos dias, de tal forma que até parece que nunca se tinha visto uma coisa assim, mas eu que já ando por aí há cerca de 40 anos e até sei umas coisas dos tempos em que ainda nem era nascido, atrevo-me a dizer que isto sempre foi mais ou menos assim, ou muitas vezes até pior, mas com a grande diferença de que hoje em dia os meios e as armas de comunicação são incomensuravelmente maiores, com tudo o que de bom e de mau daí advém.

Sim, porque se é verdade que as máquinas de propaganda e de comunicação dos clubes inventaram os bloguers de serviço, a utilização das redes sociais, as cartilhas, os papagaios, os directores de comunicação e outras tristes figuras que a tudo se prestam por alguns cobres, também há que dizer que ainda bem que hoje tudo vem à tona muito mais depressa, basta ver que o reinado do "1º ministro" só durou meia dúzia de anos até serem divulgados os e-mails, enquanto o "papa" foi rei durante mais de 20 anos, até que as escutas o desmascararam. Mas há também que dizer que uma cópia nunca é igual ao original e por isso mesmo Vieira jamais passará de uma imitação barata do Costa.

Se recuarmos aos anos 40/50 do século XX, altura em que o futebol começou a ter algum impacto na vida do país, verificamos que tudo se resumia ao que vinha nos jornais que alimentavam as discussões dos cafés e das tabernas, muito na base do "diz que disse", mas já nessa altura o Sporting era maltratado na imprensa, de tal forma que bem cedo teve a necessidade de criar o seu próprio órgão de comunicação, que começou por ser um simples boletim mensal que acabou por se tornar num jornal semanário. Os outros nunca precisaram de tal coisa, pois a imprensa do norte sempre foi orgulhosamente facciosa em nome da luta contra o centralismo, enquanto em Lisboa a popularidade do Benfica ditava as suas leis, de tal forma que o jornal A Bola criado por Ribeiro dos Reis um benfiquista fervoroso, depressa se tornou no mais vendido do país, "a bíblia" como eles diziam.

É curioso que nesta altura quando na rádio começaram os relatos de jogos de futebol, discutia-se sobre a eventualidade destes afastarem o público dos campos, principalmente nos dias de chuva. Sim estávamos no tempo em que ainda chovia em Portugal, e em que não havia televisão e nem se sonhava com a internet. Quanto muito podiam-se ver uns pequenos resumos dos grandes jogos, naqueles documentários que as casas de cinema apresentavam a anteceder os filmes em cartaz, isto numa altura em que ir ao cinema era um hábito generalizado.

A televisão só chegou a Portugal em 1956 e com ela os primeiros programas desportivos. Bom, eu como açoriano só tive direito à magia do pequeno ecrã em 1975, e nessa altura era só um canal onde ao domingo à noite o Teledesporto com os resumos dos jogos da 1ª divisão era sagrado. Via quem podia, porque não havia essa coisa das gravações, mas as discussões continuavam sediadas nos cafés e nos locais de trabalho. Jogos por inteiro isso só as finais europeias, a final da Taça de Inglaterra e de quatro em quatro anos o Campeonato do Mundo. Um luxo para quem estava habituado a ver os joguinhos do Lusitânia a contar para a 3ª divisão nacional, no pelado Municipal de Angra.

Depois começaram as transmissões de jogos do nosso campeonato. Ao principio só um por semana e já era bem bom. As crónicas e os relatos dos jogos começaram a deixar de ser os nossos olhos, toda a gente passou a poder ter uma opinião mais fundamentada e eu finalmente percebi porque é que quando o Sporting ganhava havia sempre um mas, enquanto o Benfica era exaltado mesmo quando perdia. Os jornalistas zarolhos sempre existiram e no geral vestiam a mesma camisola, o que até era fácil num tempo em que andavam de barriga cheia. Já nós cá por casa sempre tivemos a mania de sermos diferentes e ainda hoje não conheço um jornalista que possa ser conotado com o Sporting ao nível do fanatismo de um Farinha do Record, ou de um Guerra da Bola, isto sem esquecer a rapaziada do Jogo que nasceu para defender o Porto, ainda e sempre contra Lisboa.

A televisão privada foi o passo seguinte  e a SIC trouxe-nos "Os Donos da Bola" um programa histórico que talvez tenha sido o primeiro em Portugal a explorar a discussão entre adeptos assumidos dos três grandes, embora por essa altura também tenha aparecido um programa na RTP2 cujo nome já não me recordo, que já tinha o modelo que se usa hoje, mas  "Os Donos da Bola" era um caso à parte. Ainda estávamos no tempos dos "chitos" e do "sistema", quando nessas longas madrugadas das sextas para sábado assistimos a programas onde ficaram famosos os casos "Paula" e "Calheiros", mas a grande estrela da altura era Vale Azevedo com os seus fieis escudeiros Rui Cartaxana do Record e Alfredo Farinha da Bola. Foram verdadeiras barrigadas de riso. Outros tempos, outros nomes, mas a mesma subserviência doentia e a arbitragem, sempre a arbitragem, numa luta fraticida em que o Sporting desempenhava um papel secundário, digamos que a sua presença era apenas tolerada, mas falava-se na "belenização".

Entretanto chegou a internet e os fóruns deram voz ao adepto anónimo. Bom, aquele "Forum da Bola" era cá uma coisa que eu nem vos vou contar. As teorias de impulsão do Estádio da Luz deviam estar num manual da nacional estupidez natural, tipicamente benfiquista. Mas isso foi numa fase inicial, a net generalizou-se, requintou-se e hoje é uma arma poderosa que provavelmente num futuro próximo vai arrumar com as televisões, pelo menos no modelo actual.

Portanto a guerra que se vive hoje já tem barbas brancas e a única diferença são as centenas veículos  de transmissão da mesma que a amplificam e lhe dão eco que nunca mais acaba. Já não são só três jornais diários na área do desporto, são vários canais de televisão sempre a bater na mesma tecla, alguns pertencentes a clubes, são sites e sites, blogues e mais blogues. Os comentadores brotaram como a monda em terra fértil e depois vieram os gabrieis e os janelas que acharam que podiam alinhar e usar toda essa barulheira em proveito próprio. O futebol é uma mama muito grande e os chicos-espertos sugam tudo o que podem e ainda são meninos para reclamar, porque puseram as mãos na porcaria onde tanto gostam de mexer.

Mas dos tempos dos 5 Violinos aos nossos dias, uma coisa houve que não mudou, a discussão gira invariavelmente à volta da arbitragem, um sector que sempre exerceu uma atracção fatal sobre os dirigentes do futebol, e não, não é só em Portugal, ou porque é que acham que gente como o Platini, ou ainda hoje o Ceferin, não queriam e ainda não querem o VAR? Ah pois é, o poder do apito e das bandeirinhas não resolve tudo, mas ajuda muito. Só que o futebol transformou-se acima de tudo num espectáculo de televisão e o público tornou-se cada vez mais exigente e fartou-se dos atropelos à verdade desportiva. pelo que a utilização da tecnologia no auxilio à arbitragem é nesta altura um processo irreversível. Já ninguém aceita que jogos de milhões sejam decididos por erros crassos como aconteceu recentemente no apuramento do Panamá para o Mundial de 2018, ou no Valência-Barcelona do passado fim de semana.

Mas então e os árbitros? Pois se o problema é a arbitragem, qual o papel deles nisto tudo? Os árbitros sempre se puseram a jeito e continuam a pôr-se. Vão recebendo as ofertas, seja um par de sapatos ou os famosos vouchers e tudo fazem para sobreviver à guerra das classificações, porque isto hoje de ser àrbitro da 1ª categoria dá muito dinheiro, e se chegarem a internacionais nem se fala, pelo que se antes beijavam a mão ao papa, agora ajoelham-se perante o 1º ministro. O pior é que se o Canal Porto desmascarou os "padres", logo a BTV colou os ferreiras de Braga ao antigo regime. Já nas escutas do "apito dourado" se ouviam presidentes a escolher e a apadrinhar árbitros consoante fossem vermelhos ou azuis. São sempre os mesmos.

Só o Sporting é que não mexe em nada, mas com o aparecimento de Bruno de Carvalho que não se cala, logo descobriram o grande incendiário disto tudo, ele que afinal só chegou ao futebol há menos de 5 anos, e imagine-se o que se diria se estivesse no centro do olho deste furacão, mas como não está, agora é acusado de ocupar uma posição subalterna em relação ao Porto e até é olhado de soslaio pelo G15, ou será 11, um grupo onde o Salvador baixa as calcinhas, se quer armar em líder visionário.

Voltando à arbitragem, diga-se que a associação da classe é liderada por um tal de Luciano que ninguém sabe donde veio e que acha que pode pedir uns bilhetes baratos para os velhotes da colectividade lá da terra onde também é dirigente, um artista de muitos ofícios já se vê e que começou por anunciar uma greve à Taça da Liga, depois passou para os pedidos de dispensa sem observar os prazos e vai seguramente acabar no rol dos que se demitiram, ou foram demitidos.

O Proença resolveu o primeiro achaque com o aumentozinho da ordem e agora parece que foi o Fontelas Gomes que os chamou à razão, enquanto o outro Gomes lá anda na Assembleia da República em conversas com deputados que também são aquilo que todos sabemos, e à volta do velho papa e do usado 1º ministro, a pedir contenção, pois os árbitros estão fartos de ameaças e das conversas, dos padres, diáconos, missas, apitos de várias cores e polvos para todos os gostos. Só não pode é falar com o Bruno de Carvalho porque esse está castigado, ou não fosse ele o causador disto tudo.

No meio deste foguetório todo quem agradece este "pedimos desculpa pela interrupção o programa segue dentro de momentos", é o Benfica, que depois daquela actuação do impagável Marinho na passada segunda-feira, bem precisa de respirar para esquecer a chacota geral de que foi alvo, que teve o seu ponto alto no "novo apito" que frustrou as expectativas da rapaziada do costume, já pronta para disparar contra o culpado disto tudo, que já ia lançar mais achas para a fogueira. Lá meteram o rabinho entre as pernas e não voltaram a falar no assunto que até teve graça.

A verdade  é que vivemos neste ambiente de suspeição há décadas, o que resulta de uma serie de más práticas desde há muito instituídas por uma geração de dirigentes que sempre apostaram no controle dos bastidores do futebol, com especial incidência na arbitragem, cujos protagonistas não só não estão isentos de culpas, como muita vezes se põe a jeito.

Hoje os árbitros de 1ª categoria ganham muito dinheiro, tem condições de trabalho e de segurança como nunca tiveram e agora até tem uma ferramenta que os pode ajudar muito, como é o caso do VAR, mas muitos deles continuam comprometidos com um passado recente e em vez de se libertarem dessas amarras, ameaçam com greves, fogem às suas responsabilidades escudando-se na violência das críticas que lhes fazem, como se não cometessem erros graves e ás vezes até inexplicáveis.

Compreende-se que os árbitros estejam fartos de serem os bombos da festa e que exijam mais respeito, mas em contrapartida está na hora deles aceitarem uma maior transparência no sector, principalmente nas classificações que tem de corresponder aos seus desempenhos no campo, resultando daí uma depuração do quadro principal. Só que duvido que seja isso que muitos deles querem, basta olhar para as guerras resultantes das despromoções, em que se chegou ao despudor de ser o Benfica a sair em defesa de Jorge Ferreira e Tiago Antunes, os fiéis que supostamente terão sido prejudicados em favor de Luís Ferreira e Vítor Ferreira, logo apontados como os infiéis do eixo Porto /Braga. Agora já não é preciso escutas para se ouvir um presidente a pedir árbitros para os jogos do seu clube, basta assistir às acções de propaganda em canal próprio, onde é sem gaguejar que se pergunta porque é que este ou aquele não são nomeados para as missas da congregação.

É isto que tem de acabar. Os árbitros não podem estar sob o jugo de nenhum clube. Resta saber se eles se querem mesmo libertar e se tem condições para tal e principalmente se Fontelas Gomes consegue rentabilizar a pesada herança que Vítor Pereira e Ferreira Nunes lhe deixaram, porque o grande problema neste momento é a falta de qualidade da esmagadora maioria dos árbitros do quadro principal, como se tem visto em muitos casos em que nem com o VAR  lá vão, aliás, alguns deles parecem apostados em descredibilizar uma ferramenta que os podia ajudar.

Quando vemos um Vasco Santos a afirmar que aquela entrada do Eliseu não lhe pareceu passível de cartão vermelho, ou Rui Costa a não marcar aquele penalti sobre o Gelson mesmo depois de ver o video do lance duas vezes, então percebemos  porque é que alguns árbitros precisam de padrinhos para se manterem à tona e porque é que Marco Ferreira foi despromovido em vez destes e de outros rapazes agora conhecidos como "padres".

A verdade é que todos criticam o actual estado de coisas, mas ninguém assume a sua cota parte das responsabilidades e continua a valer tudo, basta ver o que se passou este fim de semana com aquela atitude reles e vingativa dos árbitros em relação à Equipa B do Sporting, ou à utilização pelo Benfica de imagens manipuladas, na tentativa de enganar os tolos, sim porque eles julgam que somos todos tolos. Como é que um clube que tem gente capaz de fazer isto pode ter a responsabilidade de transmitir jogos no seu canal, onde até já cortaram as pernas a um jogador para não se poder ver se havia fora de jogo ou não. E por falar em fora de jogo, que credibilidade terá aquela linha que este canal mostrou no lance onde anularam um golo ao Portimonense?

Isto não pode ser só exigir respeito, há que ser digno dele, o que vale para dirigentes, árbitros jornalistas e outros fazedores de opinião. Duvido é que estejam dispostos a saírem do seu quintal, pelo menos estes que estão de tal forma enterrados no lodaçal que já não tem salvação possível. Portanto isto só com uma limpeza geral que obviamente não vai acontecer por iniciativa própria e como quem está de fora não tem coragem nem se quer meter nesta confusão, do investigue-se vai passar-se lenta e progressivamente para o arquive-se e tudo como dantes nos cartéis beligerantes e como ao outro ninguém o cala, lá vão sair mais uns castigos para a mesa do fundo.

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